Casa Do Barco

Continuei a beija-lo devagar, aninhando-me melhor nele. Que saudades de sentir o corpo dele junto ao meu. Sorri ainda e beija-lo, quando senti as maozinhas da minha filha a puxarem-me as calças.

- Alguém tem saudades do papá...

Sorri e larguei-o devagar, mesmo não querendo e peguei na minha princesa ao colo.

Kika? o.O Não consegui evitar rir ao ouvir-lhe chamar aquilo. Desde quando lhe chamavamos Kika? Mas por mim... Estava feliz de te-lo ali.

- E se fossemos matar as saudades enquanto comemos qualquer coisa hun?

Endireitei a bebé para ela não cair das costas do meu marido e a sorrir dei-lhe a mão. Havia coisas que eu queria contar-lhe, tinha saudades de conversar com ele e depois ficar um bocado perdida naquele sorriso ou então distrair-me a brincar com as covinhas das bochechas dele. (xD)

- Sou, mas tu gostas!

A rir, saímos de lá os três, como uma família, o retrato que eu tinha imaginado sempre.

Tantos anos que já passara, e eu continuava presa a memórias. Queria o meu pai ao pé de mim. Queria ser uma filha normal e ter um pai que me abraçasse quando eu tirava boas notas, ou, no meu caso, que brincasse com os netos quando o fosse visitar. Mas não... Isso não iria acontecer. Tinha acordado mesmo triste hoje, sonhei com o meu pai e comecei a sentir um vazio que não sentia há muito. Os gémeos e a minha bebé estavam na escola, portanto eu estava na escola, no intervalo das aulas. A Joanna tinha ficado em casa hoje, por causa da bebé, a Ashley estava com o Ruy e a Julia estava, de certeza, com o professor Javier.

- Tenho saudades tuas, papá...

Andava a sentir um pouco de pressão. As aulas e o trabalho cansavam-me. O Mason por vezes ficava distante, querendo o espaço dele, os meus amigos tinham a vida deles. O dinheiro era preciso e eu precisava de sustentar os meus filhos. Precisava de lhes dar uma vida normal e de os ter felizes. Aliás, o Mason também estava a receber convites para programas que não implicava que ele fosse para tão longe. Mesmo assim, sentia um vazio, por causa daquele sonho.

Suspirei e tirei da minha mala um caderno que andava comigo desde pequena. Tinha lá escrito as coisas mais parvas. Poemas, textos, alguns desenhos... E uma música que escrevi ainda na Argentina, portanto estava escrita em espanhol, mas resolvi, mais tarde, traduzi-la para português, porque deixei de falar espanhol quando vim para Portugal com a minha mãe. Abri o caderno mesmo na página onde ela estava. Tinha-a escrito com onze anos, alguns anos depois de não ter mais o meu pai comigo. Pus-me a cantar baixinho, mesmo sem melodia.

Quando acabei de canta-la reparei que estava a chorar. Eram lágrimas silenciosas, não me estavam a incomodar, mas sentia o coração apertado. Precisava do abraço de um pai, protector, coisa que eu nunca tivera. Às vezes temos dezenas de pessoas à nossa volta e sentimo-nos sozinhos. Neste momento eu sentia-me assim. As únicas pessoas que me conseguiam pôr a sorrir em dois segundos nesta altura eram os meus bebés.

- Porquê a mim...

Deixei-me sossegada, encostada a uma árvore virada para o Lago e com o caderno na mão. Não me dei ao trabalho de limpar as lágrimas e cantei, seguidamente, vezes sem conta a música que tinha escrito para o meu pai.

Assim que ouvi a voz dele fiquei um pouco desperta do pequeno momento que eu estava a viver. Na verdade ele era a última pessoa que eu queria que me visse chorar. Mas não fui a tempo de limpa-las e, pelo contrário, comecei a chorar ainda mais.

- Eu... Sonhei com o meu pai...

Respondi baixo, pondo os braços à volta dos joelhos e de cabeça baixa. Como é que lhe explicava que não estava feliz sem magoa-lo? Eu sei que ele se esforçava muitas vezes, mas, sem se aperceber, ele afastava-se. Talvez a culpa fosse minha, estava a falhar como mulher e mãe. Esse era o meu maior medo: falhar com ele. E agora tinha medo que ele tivesse descoberto que eu não sou aquilo que ele queria, e se estivesse a afastar por isso.

Deixei-me no colo dele. Não substituía o meu pai, mas consolava-me um pouco.

- Eu sei que sim.

Não conseguia mais falar para dizer o que quer que fosse. A minha garganta estava com um nó enorme e as lágrimas teimavam em cair.

Ainda fiquei bastante tempo aninhada nele. Não se via ninguém pelos terrenos da escola, portanto não fazia mal estar no colo dele. Ainda estava a soluçar bastante e caiam-me lágrimas de segundos a segundos, mas estava mais calma. O Mason nunca ia substituir o meu pai, mas também não era isso que eu queria. Queria que ele tomasse conta de mim.

Combinei encontrar-me com a minha bebé na escola, depois das aulas dela acabarem. Também já tinha saudades de lá andar. Pus a Maria no ovo e fui com ela de carro até lá. Estava Sol, mas não muito forte por isso não fazia mal andar com ela na rua. Ao ir para ao pé da Casa do Barco ainda me cruzei com o Mason e a Sofia, eles já iam embora mas falámos um bocado e a Sofia, para variar xD, ficou toda babada com a Maria. Depois de eles irem embora pus-me à sombrinha de uma árvore à espera da Joanna. Olhei o relógio.

- Hum... A mamã deve estar a chegar, bebé!

Disse enquanto lhe dava festinhas na mão, sentado na relva e tirei-a do ovo, pegando nela ao colo para ela ver o castelo e o Lago dali, embora soubesse que ela não percebia o que era aquilo tudo.

- Um dia vais estudar aqui, sabes? E vais ser super inteligente e linda como a mãe, e deixar o papá ainda mais orgulhoso.

Ela sorria, como se percebesse, e agitava os bracinhos, e abanou-os ainda mais quando uma borboleta às cores passou por ela. Sorri feliz e babado com ela, e tinha motivos para isso, a minha filha era linda e eu amava-a mais do que tudo nesta vida.

- Olá também para ti ó! xD

Ri, deixando-me sentado na mesma, com os braços à volta dos joelhos e as pernas entreabertas a olha-la. Depois ela deu-me um beijo e eu sorri ainda mais.

- Então? Demoraste mais tempo, ficaste retida na aula? o.O

Era só uma pergunta inocente e depois ela sentou-se ao meu lado com a Maria ao colo toda risonha. E não era de admirar. Assim que ouviu a voz da mãe e a viu, ela começou logo a esperniar-se toda feliz. Era normal, era mãe dela e haviam sempre de ter aquela ligação especial. Enquanto elas riam as duas e eu olhava-as sorrindo. Depois olhei o Lago, meio nostálgico enquanto me lembrava de quando eu e a minha mulher há anos atrás nos encontrávamos ali, comigo a provoca-la. Bons tempos... Que nos tornaram no que somos hoje.

- Não, mas a Julia atrasou-me -.- - Expliquei eu, sentando-me ao lado dele com a Maria no colo.

- Atrasou-te porquê?

Perguntei meio desconfiado. A Julia era doida da cabeça xD Sei lá o que é que elas andaram a tramar. De qualquer forma a minha bebé estava toda animada no colo da mãe e eu sorria a dar-lhe festinhas nas mãos.

- Porque me esteve a mostrar a nova massagem que aprendeu -.-

Que, por sinal, era boa o.O

- E porque é que não me chamaram? Eu não me importo de ser vossa cobaia! Quer dizer... Da Julia, porque tua e da Sofia não, já que não quero nem unhas nem cabelos pintados!

Disse com um sorriso divertido, mas estava a falar a sério.

- Porque eu não sabia que já tinhas chegado o.O - Disse eu, mas depois parei e olhei-o séria -.- - Disseste que preferes ser cobaia da Julia do que minha? -.-

- Mor eu não gosto de pintas as unhas!

Respondi e pus-me a brincar com a minha bebé linda, para parecer mais fofinho. o.o

- EU NÃO PINTO UNHAS! EU MAQUILHO! PONHO AS PESSOAS LINDAS! - Disse eu. Encontrava-me extremamente ofendida!

- Mor mas eu não faço nada dessas coisas!!! O.O Sou homem!!! Olha, mas a Maria quer! Não é filhota?

Disse e depois levantei a Maria no ar à minha frente tipo defesa contra a minha mulher o.O mas ela começou logo a rir e a esticar os bracinhos para ela xD e a fazer bolhinhas com a boca.